domingo, 20 de abril de 2008

O café pela manhã


É hábito acordar tarde. É hábito tomar duche de manhã, vestir-me sem pensar se a roupa se adequa ao tempo lá fora. É hábito beber apenas uma café e sair...sair de casa, que era minha, mas que agora tomou proporções exageradas. Café simples, sem açúcar ou algo do género. Café bebido em pé, enquanto digo "vou já sair de casa...espere um minuto por favor" e saío sem olhar. Volto atrás {quase sempre] e dou-lhe de comer...faço-lhe uma festa pensando "desculpa, não tenho tempo...". Ela abana a cauda, num acto carinhoso, como quem compreende a minha situação, como quem me dá o abalo de continuar, como quem diz "vai, eu fico bem".



Pelo menos, quero que assim seja.



O dia começa assim. Trabalho com um sorriso na cara, trabalho com uma felicidade aparente...às vezes reparam que a roupa escolhida não se adequa com o maldito tempo...faço de conta. Convido A ou B para almoçar...[sim, minto-vos. A verdade é que não tenho com quem comer]. Alguém aceita...hoje tu, amanhã ele ou ela...Faço a dita conversa da treta, invento histórias de infância, aquela que não tive mas que um dia sonhei ter...[sim, um dia...porque Hoje já não sonho, hoje a minha vida nada reflecte sonhos ou aspirações. Hoje, a minha vida é o dia-a-dia até àquele bendito...].



Acho engraçado aquilo que vos faz feliz...confesso que aí dou um sorriso sincero...um sorriso de gozo sim...mas um sorriso...[não conta?]



Volto ao trabalho...sim, não um emprego, um trabalho. Há quem o considere óptimo, eu respondo "sim, gosto muito do que faço...". Digo, não porque vos queira mentir, mas antes porque nada sinto quando o faço...é-me automático, não sei que vos dizer mais.


18h. Hora de ir para casa. Tenho-a à minha espera. Digo-lhe que estou cansada, que agora não dá. Ela aceita [abana a cauda mais uma vez].



Tão compreensiva que ela é. Deve gostar de mim.



Olho o atendedor de chamadas. Ninguém ligou [nunca ninguém liga]. Aqueço algo no microondas. Como enquanto vejo TV. Bebo um vinho hoje, amanhã...Deve estar na hora de dormir. Não o consigo fazer. A pastilha é a salvação. Vou dormir. Amanhã o dia recomeça.



8h. Acordo.


O café está pronto para ser tomado. O telefone toca. Assusto-me, não estava à espera. Deito o café pela mesa...Ela foge, assustada. Atendo. Respiração ofegante [conheço-a]. Não falas. Também não tenho essa coragem [cobardes].


Sorrio. Sei que o fizeste também.

Desligamos.



Abro a porta. Deixaste-me algo a porta. Abro. O café continua a pingar da mesa enorme e inútil na minha vida.

Cai-me uma lágrima pela face...tento conter a segunda, não consigo. Caíu. [ela olha-me com admiração...terá pressentido a tua vinda?]

Deixaste-me um bilhete. Quis lê-lo com sofreguidão. Pousei-o na mesa. Merda! Está todo molhado de café. As letras estão a desaparecer. Agarro o papel com desespero. Derramo mais uma lágrima. Leio. Malditas lágrimas que não me deixam ver. Maldito café!



Sorrio. Aperto a carta com aquelas letras, palavras, frases, sentimentos.


Não larguei mais o que me deixaste...Cheiro a café. Não vou trabalhar. Sento-me na cadeira, em frente à mesa e fico...o dia todo a contemplar-Te...



Apetece-me chorar. Apetece-me sorrir.



SINTO. Indepentemente do quê, SINTO! como há muito não sentia...



Os dias foram passando...

A rotina voltou...

A mancha de café continua lá...na mesa...

Acordo todos os dias a pensar num telefonema...confiro inúmeras vezes a funcionalidade do telefone...

vivo à espera de mais um sinal teu...



...porque só assim, consigo SENTIR.

18 comentários:

Rui Caetano disse...

Os sinais existem em qualquer lugar, mas precisamos de os encontrar...

nOgS disse...

M****!

Ainda bem que o café continua na mesa,
sempre que o vires e o sentires sorri.
Porque alguém sorri contigo.

Beijo docinho e café amargo que é como eu gosto;)

Anónimo disse...

A rotina do dia a dia quebrada por um bilhete, por um sinal que não chega, por um telefonema que não acontece, por um apetite de chorar, ou de rir.
A rotina, a mancha que é uma recordação, tal como muitas manchas que todos temos nas nossas vidas, de café, ou outras quaisquer.
Que bom que continuas com o teu estilo único de expressares esse sentires!
Que bom que é ler o que escreves.
Bjs.

Carla disse...

nenhuma mancha de café apaga a beleza de um sorriso...e os sinais chegaram certamente
boa semana
bjs

Daniel disse...

Olá

A vida jugua-lhe de ser vivida, porém tem ser vista como uma estada que está sempre a ser aplainada.
Porém a escrita é um arte, que se presta a várias deambuções, consoante os espírito.
Nesse particular, apreciei positivamente a proposta.

Daniel

Jorge Vieira Cardoso disse...

Sem palavras, porque a melancolia também é vida e no entanto se conferes ao silêncio um sorriso, é essa rara beleza que precisas de colorir...

Bjs...

vieira calado disse...

Não desespere. Tenha calma.
Um dia destes...

Um abraço

mar disse...

Esta demanda do sentir faz-te sentir tão intensamente como vives.
Delicioso apertar de hábitos, manias, formas de vida.

Amei*

Carla disse...

boa semana
beijos

Encontros de Almas disse...

por muito azedo que seja um café sem açucar, nunca devemos deixar de sorrir heheh

beijinho

Estrelinha disse...

mais um belo texto!*

Anónimo disse...

E nota-se que se sente muito por aí! Por aqui também, mas nunca conseguiria expressá-lo desse modo... Felizmente, recebo muitíssimos sinais.

Os teus chegarão. :)

Å®t Øf £övë disse...

(Un)Hapiness,
Não se pode dizer que que tenha sido um dia perfeito, mas pelo menos foi um dia em que a tua esperança renasceu, e em que a monotonia dos outros dias foi quebrada.
Bjs.

MR. HEAVY disse...

beijinhos...

Ant disse...

Gostei bastante. :)

Carlos disse...

olá,

e eu sorrio contigo, é tão bom sorrir.
e que esse cheirinho do café , se importante , deixa-te impregnar ....


bom fim de semana

kiss

eudesaltosaltos disse...

gosto, sinceramente, da tua maneira de escrever. bj

Anónimo disse...

Bem... não quero menosprezar os outros blogs, mas o teu é aquele.. adoro ler-te..as tuas palavras são tão profundas, tão cheias de sentimentos..

Continua assim.. :)
um abraço