domingo, 24 de agosto de 2008

A cor da morte


Ele venerava a sua mulher. Sim, era sua. Era consigo que ela fazia amor, era a si quem ela beijava, era a si quem ela acariciava...era a si que ela pronunciava a mais bela das palavras "AMO-TE". A vida de ambos era azul...não um azul depressivo e frio, mas antes um azul de calma, de harmonia.


Ele adorava sentar-se no cadeirão do quarto enquanto ela se vestia, enquanto ela se penteava lentamente. Ela não o fazia em silêncio, não, ela falava falava e falava...contava-lhe o seu dia neste momento antes de jantar...ele proferia um "sim, eu sei" ou "claro, eu entendo". Ele consentia tudo o que ela dizia sem que, no entanto, estivesse atento às suas palavras. Ela não sabia. Ele não entendia. Mas, aquele momento era, para si, um orgasmo intenso, profundo, duradouro e, acima de tudo, SEU com ela, a sua mulher.


O cabelo era comprido, forte, preto como a noite. A escova teimava em percorrê-lo e, era ele, com o pensamento quem conseguia penetrar a escova no cabelo...era ele, sim, ele sabia! As gotas percorriam cada cabelo e continuavam vivas nas suas costas...faziam desenhos que só ele os entendia! Ele sorria. ["Estás a rir-te porquê?" "Estou a sorrir para ti amor, só isso"]


Ela não usava secador. Deixava o cabelo encaracolar...Ela era linda, tinha os olhos azuis, da cor da sua vida. Ele olhava-os pelo espelho e via-lhe a alma. Ela pouco ou nada sabia. Ele gostava de a ver por o pó de arroz na face...gostava de a ver por um pouco de rímel, tornando os seus olhos maiores, replectos de desejo, preciosos! Ela finalizava com o batom...de uma cor suave, rosa, fazendo-o visualizar a carne dos lábios, as partes íntimas da sua mulher. Aí, ele atingia a plenitude do orgasmo...ela não reparava. Ele levantava-se, beijava-a na testa e apenas dizia "despacha-te...temos as pessoas à espera no restaurante".


Eles eram considerados pessoas importantes na cidade.Talvez pelo emprego que tinham, viam-se quase diariamente em jantares com A ou com B...Pouco tempo tinham a dois. Ele apenas tinha aquele momento...podia considerar-se uma pessoa feliz. Era um homem bem sucedido profissional e amorosamente. Tinha orgasmos quase todos os dias, mas nem todos os dias fazia amor com ela.


Houve uma noite diferente. Houve uma noite em que ela quis surpreender o seu marido com um jantar a dois. Ele gostou da ideia. Mas...ela, enquanto ele sentia prazer ao vê-la, ela ousou pintar os lábios de vermelho. [Porque teria ela feito isso?] A mente dele ficou confusa. Não percebeu. [o que significaria ali, nos seus lábios, a cor de sangue?] Para ele vermelho na sua mulher não era sinal de paixão...Ela teve uma noite amorosa. Ele teve uma noite enervante, de questionamentos, de despertar...


Chegaram a casa. Ela voltou a sentar-se na mesma cadeira onde ousou usar a cor vermelha. Ele soltou o animal que há em si. Fizeram amor como nunca haviam feito. Ela teve o seu orgasmo. Ele não. Ela pensou ter despertado a relação. Ele quis torná-la toda daquela cor. Num só golpe, ela era o vermelho dos seus lábios. Ele estendeu-a no leito enquanto ela jazia. O vermelho invadiu os lençois...ele pôde sentar-se no cadeirão e lentamente continuou num orgasmo mental...


34 comentários:

Anónimo disse...

e eu aplaudo tal feito...espalhaste o vermelho na blogoesfera miuda...
...sabe bem ler-te...

Danilo disse...

belissimo parece mesmo o que se vê em filmes
*

Cátia disse...

Grande texto, continuas a surpreender... Continua sempre, como diz o bono, sabe bem ler-te.

Beijinhos

Delusion disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Delusion disse...

"Na solidão estamos menos sós"

My soul is dark - Oh! quickly string
The harp I yet can brook to hear;
And let thy gentle fingers fling
Its melting murmurs o'er mine ear.
If in this heart a hope be dear, That sound shall charm it forth again:
If in these eyes there lurk a tear,
'Twill flow, and cease to burn my brain.
But bid the strain be wild and deep,
Nor let thy notes of joy be first:
I tell thee, minstrel, I must weep,
Or else this heavy heart will burst;
For it hath been by sorrow nursed,
And ached in sleepless silence, long;
And now 'tis doomed to know the worst,
And break at once - or yield to song.

Excelente texto!

Anónimo disse...

o final é mesmo arrepiante .
gostei imenso :)

beijo*

corazón disse...

o vermelho, enfim..

Sara S. disse...

Talvez tanto pensar possa fazer com que sentimentos jamais sentidos se libertem em nós, mas daí a assassinar o amor, a pessoa a quem amamos... acho que vai uma longa distância. Mas o vermelho é uma cor com muitos significados e daí possam ter surgido pensamentos invulgares...
Um texto interessante. Beijinho

happiness...moreorless disse...

que texto fantástico! fiquei presa a ele... adorei, um dos melhores.

um grande beijinho

Estrelinha disse...

grande texto :O

corazón disse...

"será q o amor vence tudo?" não sei, mas espero que sim :x

Sandra Silva disse...

Adorei. Fiquei simplesmente sem palavras...

Parabêns... ;)

beijo*

.diana.alves. disse...

Estou com as palavras entaladas no peito. É dos teus textos mais bonitos que já li. Perfeita a conjugação de palavras. Perfeita a demonstração de sentimentos e de emoções. Perfeitamente estrondoso:')
Um beijinho*

O Profeta disse...

Fecham-se as janelas de poente
Acenderam-se os luzeiros no céu
A cidade desperta para o arraial
Uma noiva procura o perdido véu

Os acordes da Banda no Coreto
Uma tuba marca o compasso
O clarinete dança na calmaria
O Maestro solta gestos no espaço



Bom fim de semana



Mágico beijo

Ant disse...

Como um batom vermelho dá uma vida inteira a um texto. ^^'
Minha querida, está mesmo bonito... Bonito texto que desperta uma visualização mental fantástica.

Beijinho grande *

nOgS disse...

Do azul ao rosa num culminar vermelho, fabuloso!

É curioso, pois eu tenho também um mini conto que escrevi em tons de vermelho:P

Passa no Fragil Foot se te apetecer lê-lo.

Beijinhos querida e é bom saber-te de volta com os teus textos magníficos.

Beijooo

bono_poetry disse...

bora?va...acorda!!

Carla disse...

inquietante...como a cor vermelha
...adorei...
beijos

Å®t Øf £övë disse...

(Un)Hapiness,
Pois é, os ciúmes, as dúvidas, e as desconfianças, normalmente levam a fins trágicos. Talvez não tanto como o final deste teu texto, mas mesmo assim trágicos.
Gosto da forma como expões as ideias. Parabéns. Já pensaste em publicar um livro?
Acho que sucesso era coisa que não lhe faltaria.
Bjo.

Carlos disse...

Olá

Realmente a insustentável leveza do ser.
Mais uma das verdades dos nossos dias.
Conseguiste de todo levar-me até aos filmes de David lynch.
Muito bem

bj

eudesaltosaltos disse...

grande, mas mm grande txt. bj

bono_poetry disse...

...vem ca....vais continuar na abstinencia?...toma..

Å®t Øf £övë disse...

(Un)Hapiness,
Passei para te deixar um beijinho.

Anónimo disse...

Bem, não sei como comentar este texto, uma coisa sim, eu sei, Gostei do conteúdo, da forma como está redigido e da mensagem que ele encerra.
Um beijo

Anónimo disse...

Bem, não sei como comentar este texto, uma coisa sim, eu sei, Gostei do conteúdo, da forma como está redigido e da mensagem que ele encerra.
Um beijo

Jorge Vieira Cardoso disse...

já li este texto há algum tempo atrás
pensei que tinha comentado
é sem dúvida o medo que temos da mente e se ela nos trama acontecem coisas de todo o tipo como essa aí tão bem dissecada...

beijinho...

Anónimo disse...

Olá, passei por acaso. Parabéns pelo espaço, pelo bom gosto da escrita. Aparece no meu cantinho, serás bem vinda.
Abraço
Sónia Pessoa

O Profeta disse...

Olhos brilhantes maré tardia
Cabelos rebeldes em desalinho
Pés descalços no, frio barro
Um berlinde atirado ao caminho

Um bando de alegres pardais
Ou um domador de tempestades
Apenas um pássaro charlatão
Dividindo o pão em metades


Bom domingo



Mágico beijo

Å®t Øf £övë disse...

.....oooO.............
....(....)....Oooo....
.....)../. ...(....)..
.....(_/.......)../...
.............. (_/....
... PASSEI POR .......
.......... AQUI ......
......................

Luis Martino disse...

orgasmo sem dúvida
voltei a publicar
aguardo uma das tuas interpretações

baccio

AxOr!aNo disse...

sentime tal e qual como o homem sentado no cadeirão ao ver a sua mulher tratar de si ^^
amei mesmo este trabalho simplesmente mágico
beijo

vieira calado disse...

DEixo uma beijoca.
Bom fim de semana.

Anónimo disse...

Regressei! E tu?

mar disse...

possas.
deixei-me embriagar. já cá não vinha há algum tempo e é uma surpresa o teu crescimento.

parabéns.

beijo
deste
mar.